Instituto Cubano del Arte e Indústria Cinematográficos
ICAIC foi o primeiro organismo cultural criado em Cuba após a Revolução, em acordo com a Lei 169 de 24...
A revolução cubana em 1959 foi mais uma ocasião em que o cinema contribuiu para a formação de um novo imaginário social O documentarismo produzido por Santiago Álvarez Román (1919-1998), diretor do Noticiero ICAIC Latinoamericano desde 1960, desempenhou um papel crucial nesta construção.
Os Noticieros ICAIC, cinejornal oficial da Ilha, exibido de 6 de junho de 1960 até 19 de julho de 1990, mesclaram informações locais com notícias internacionais nas suas 1.493 edições, com cerca de 10 minutos cada, incluindo alguns especiais de 20 minutos que englobavam um único tema. Originalmente filmados em película 35 mm branco e preto, os curtas eram distribuídos em todos os cinemas do país e, em cópias de 16 mm eram enviados para os "cine-móveis", acessando por meio de suas sessões itinerantes os rincões mais distantes de Cuba.
Santiago Álvarez permaneceu na direção do Noticiero ao longo de seus trinta anos de existência, assumindo esta incumbência quando convidado pelo então diretor do ICAIC (Instituto Cubano del Arte e Indústria Cinematográficos), Alfredo Guevara (1925-2013), tornando-se então o veículo difusor oficial dos feitos da revolução. Ao contrário de outros cineastas cubanos, como Julio García Espinosa (1926-2016) ou Tomás Gutiérrez Alea (1928-1996), Santiago Álvarez não tivera nenhuma formação prática anterior em cinema ao se iniciar naquela função, já então com 40 anos de idade.
Ocupando o mesmo posto ao longo de praticamente toda a sua carreira como documentarista dentro do ICAIC, sua trajetória como realizador foi se modelando de acordo com as transformações políticas de Cuba nos anos seguintes à revolução. Se havia certa regularidade formal nas várias centenas de edições dos seus noticieros, ela seria decorrente em grande medida das próprias características que demarcam a tipologia de um cinejornal, como vinhetas de abertura e encerramento, créditos, informação com base em parâmetros da prática jornalística, narração, tempo de duração, dentre outros aspectos. Este padrão não se repetiu nos seus documentários, que foram para Santiago um espaço mais autoral, livre de convenções, especialmente ao longo da década de 1960, durante a qual a necessidade crescente de inserção do Estado cubano na política internacional fomentava a aspiração pelo internacionalismo. Isto é flagrante nas experiências arrojadas de linguagem audiovisual que ganharam muita repercussão nos festivais internacionais em que foram exibidas.
Denominada pelo próprio cineasta de "cinema-urgente", sua produção seguiu à risca os preceitos da revolução, pelos temas abordados, mas sobretudo em sua forma narrativa. Com a presença frequente de um discurso incisivo e muitas vezes carregado de ironia e sarcasmo em sua fase sessentista, o cinema de Álvarez propôs um modo expositivo para a comunicação estatal distinto daquela tradição consagrada desde os anos 1930 na Inglaterra por John Grierson (1898-1972) à frente da General Post Office, em que predominavam sobriedade e rara inovação estilística. Sob a direção de Álvarez foram produzidos mais de 600 cinejornais, 96 filmes e 3 vídeos, com destaque para alguns, como o premiado Ciclón (1963) que, sem fazer uso da esperada e didática voz over, registrou o drama da superação diante dos estragos provocados pelo furacão Flora e a mobilização da população e do governo diante da adversidade; Now! (1964), um libelo contundente e radical em prol da luta pelos direitos civis e contra a segregação racial em vigência nos EUA; Hanoi, martes 13 (1967), que traz à tela um contraste profundo entre a calmaria da rotina laboral vietnamita filmada in loco e um ataque aéreo em plena Guerra do Vietnã; L.B.J. (1968), uma ácida crítica ao presidente norte-americano Lyndon B. Johnson; 79 Primaveras (1969), homenagem ao líder Ho Chi Minh e ao empenho do povo vietnamita durante a guerra; El sueño del pongo (1970), curta-metragem baseado em um conto de forte cunho social do escritor peruano José María Arguedas, além de tantos outros filmes que enveredaram, em diversas metragens, pelas mais distintas temáticas. Nutridas pela realidade, as obras de Álvarez foram capazes de interpretar e re(a)presentar histórias, personagens e situações como um contundente gerador de discurso sobre o mundo histórico.
Sobretudo nesta fase sessentista, nota-se na produção de Álvarez um amálgama de diversas tendências do cinema moderno europeu, tão presente na Ilha por meio dos cineastas, técnicos e intelectuais que por lá estiveram. No entanto, em 1963, a morte do cantor Benny Moré (quem integrou inicialmente a orquestra de Bebo Valdés para depois formar a sua própria "big band", a Banda Gigante, consagrando-se no bolero, no mambo e na guaracha), o Barbaro del ritmo, tornou-se um episódio central na vida cultural cubana, alterando por completo sua forma de pensar e fazer filmes.
Ao dirigir a edição especial do Noticiero (n. 142) sobre a morte do cantor, Álvarez registrou os rituais fúnebres por meio de uma montagem que fazia com que os participantes do velório e cortejo "bailassem", mesclando dor e alegria ao ritmo ditado pela canção "Francisco Guayabal", um dentre outros sucessos de Moré. O resultado desta experiência abriu caminho para que a sua narrativa documentária enveredasse por um matiz de enunciação mais amplo, incorporando a música e a emoção sem necessariamente ter de recorrer à voz off, rompendo, portanto, com o distanciamento que tradicionalmente marca a narração em over em relação aos fatos exibidos.
Entretanto, este direcionamento discursivo adotado por Álvarez, intensificado por um forte apelo emocional que acaba por direcionar o entendimento da audiência sobre o tema representado, fez com que seus filmes muitas vezes fossem estigmatizados com a pecha de "panfletários". Esta crítica foi rebatida por ele em diversas entrevistas ao longo da vida, com o argumento de que aquelas produções seriam na verdade "contrainformação", ou seja, uma reação à cobertura que as agências de notícias e os órgãos de imprensa internacionais não alinhados ao bloco socialista faziam da situação cubana e de fatos do mundo, seja a Guerra do Vietnã, os golpes militares na América Latina ou a situação colonial africana.
O apoio de Cuba à luta anticolonial na África, iniciada com a guerra pela independência da Argélia, se intensificaria após a "Mensaje a los pueblos del mundo a través de la Tricontinental", de Ernesto Che Guevara (1928-1967). O texto, divulgado no encontro da OSPAAAL (Organização de Solidariedade dos Povos da África, Ásia e América Latina), em 1967, trazia uma convocação pungente para um enfrentamento generalizado ao imperialismo global. Assim, nos anos seguintes, Santiago e sua equipe documentariam as diversas viagens de Fidel Castro ao continente africano, registrando os acontecimentos relacionados aos processos de independência em curso, em filmes como: Y el Cielo Fue Tomado por Asalto (1973); Los Cuatro Puentes (1974); El Milagro de la Tierra Morena (1975); Maputo Meridiano Novo (1976); Luanda ya no es de San Pablo (1976); El Octubre de Todos (1977); Y La Noche se Hizo Arcoiris (1978) e Nova Sinfonia (1982).
De maneira geral, o cinema de Santiago Álvarez refletiu muitos dos dilemas de uma revolução que almejou a conquista de uma genuína independência nacional, e que acabou enveredando pelo socialismo pelas contingências de uma política internacional delineada pela Guerra Fria. Este processo desencadeou infindáveis debates que caracterizaram tanto a política nacional como a internacional como um jogo repleto de variantes estratégicas, contradições e impasses. Avanços e equívocos se espalharam por um território em que ortodoxias e radicalismos entravam em conflito, tendo como único consenso a contrariedade aos ditames políticos, econômicos e culturais impostos pelos Estados Unidos. Um período em que se desconfiava da arte cinematográfica burguesa ao mesmo tempo em que se negava o realismo socialista na sua versão soviética, abrindo-se portanto para o imponderável que cerca todas as experiências de linguagem que marcam o seu cinema.