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  1. Tema
  2. Diplomacia cultural

Diplomacia cultural: entre propaganda e soft power

JUNHO 2023

  • Juliette Dumont - UNIVERSITÉ SORBONNE NOUVELLE - PARIS 3 SORBONNE PARIS CITÉ

  • Didier Aubert - UNIVERSITÉ SORBONNE NOUVELLE

TEMA : Diplomacia cultural

ESPAÇOS : América do Norte - América do Sul - Caribe - Europa - África - Atlântico norte - Atlântico sul

PERÍODOS : O espaço atlântico na globalização - A consolidação das culturas de massa - Um atlântico de vapor

DOI : 10.35008/tracs-0006

RESUMO

Diretamente ou por intermédio de instituições e atores não governamentais, os Estados tiveram papel importante na formação das culturas transatlânticas. Americanização, Guerra Fria, cooperações Sul-Sul: desde o final do século XIX, as diplomacias culturais e a ambição pelo soft power contribuíram para redesenhar o espaço atlântico.

Apesar da lógica transnacional do projeto Transatlantic Cultures, não se deve negligenciar o papel ativo dos Estados. Ao longo do período contemporâneo, grande número de países do espaço atlântico tentou favorecer os interesses nacionais - políticos, econômicos ou estratégicos - por intermédio de ações culturais difundidas por toda a região.

Tais iniciativas, de natureza e alcance variados, podem ter sido deliberadas ou indiretas, ostensivas ou dissimuladas, de médio ou longo prazo. Esta diversidade acarreta algumas dificuldades conceituais e semânticas para a análise, a ponto de a expressão "diplomacia cultural" ser por vezes vista como "uma das mais confusas (confusing) na história moderna das relações internacionais"1. Na sequência do 11 de setembro, o diplomata americano Richard Holbrooke afirmou que as expressões public diplomacy, public affairs ou "guerra psicológica", apesar de ínfimas nuances, não designavam outra coisa senão a propaganda. Na França, há uma preferência histórica pelas expressões "ação cultural" ou "diplomacia de influência", adaptação aproximativa do soft power imposto no debate público por Joseph Nye após o final da Guerra Fria. Um relatório recente do Parlamento Europeu oscila entre "relações culturais" e "diplomacia cultural", sublinhando que se a segunda é privilegiada pelas instituições políticas, a primeira é com frequência utilizada pelos atores e instituições culturais. De todo modo, as ações oriundas (de perto ou de longe) de políticas culturais deliberadas, que visam infuenciar os valores e as ideias em circulação no espaço atlântico, tiveram um papel preponderanre desde o final do século XIX.

A esse respeito, atores estatais (diplomatas, mídias públicas), semipúblicos ou paraestatais (institutos culturais, estabelecimentos escolares), mas também privados (fundações, museus, produtores de cinema) agem frequentemente em acordo. As políticas governamentais abarcadas pelo rótulo "política cultural" ou cultural diplomacy são facilmente assimiladas à tradição francesa, que nasce em 1883 com a criação das Alianças Francesas -majoritariamente ocupadas por funcionários da educação nacional - se reforçam com a multiplicação dos liceus franceses nos anos 1930 e 1940 e se institucionalizam após a Segunda Guerra Mundial com a criação da função de "adido cultural", agente de apoio logístico e financeiro do Ministério das Relações Exteriores e do Ministério da Cultura para a promoção dos músicos franceses ou a tradução de obras nesse idioma.

O termo "relações culturais", definido como o conjunto das trocas "orgânicas e naturais"2 entre as nações, por meio de seus atores culturais e sociais, é no entanto reivindicado pelas instituições submetidas a uma tutela governamental, tais como a BBC ou o British Council no Reino Unido, por exemplo. Essas interações passam também pelas redes científicas, universitárias ou intelectuais, por muito tempo favorecidas pelas nações da América Latina no intuito de reforçar sua cooperação regional e seu prestígio internacional (Congresso Científico organizado em Buenos Aires em 1898, Congresso de Medicina em Santiago do Chile em 1902, participação ativa da Brasil no Instituto Internacional de Cooperação Intelectual desde 1924).

Na maioria dos casos, o interesse nacional (prestígio, influência, cooperação) é promovido de modo mais ou menos explícito, de distintas formas, por atores e instituições variados, governamentais, semigovernamentais ou privados. Essa convergência de iniciativas é característica de ações diplomáticas americanas: em 1948, a União Panamericana, o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque e o Ministério da Educação do novo presidente venezuelano, o escritor Romulo Gallegos, contaram com o financiamento da família Rockfeller para organizar uma Exposición Interamericana de Pintura Moderna em Caracas. A multinacional United Fruit permite em seguida que ela viaje pelo resto da América Latina. Os artigos propostos nessa seção procuram elucidar as condições, as modalidades e os objetivos das interações culturais, particularmente a articulação entre ação pública e atores privados. Trata-se igualmente de dar conta da circulação efetiva das mensagens, das obras e ideias assim promovidas, assim como dos públicos visados, senão efetivamente atingidos.

A cronologia modula evidentemente a importância acordada a um ou outro país. Considerada como pioneira da "ação cultural" através de suas Alianças e do conceito de francofonia, a França nunca deixou de acreditar na cultura como instrumento de influência e de cooperação, apesar da escassez dos meios ao longo das últimas décadas. Assim como o Canadá, ela também concebe a cultura como uma linha de defesa estratégica: "a exceção cultural" que ela tentou com frequência impor nas negociações comerciais transatlânticas vai ao encontro da cultural exemption negociada pelo Canadá por ocasião dos acordos da ALENA, que levaram a conflitos com os Estados Unidos a respeito de mídias tão diversas quanto uma cadeia de televisão dedicada à música "country", um periódico esportivo e uma rede de livrarias. A Convenção da Unesco sobre a proteção e a promoção da diversidade cultural, adotada em 2005, reflete esta lógica e, para além dela, o sentimento amplamente difundido no espaço atlântico da necessidade de fazer frente a uma mundialização por vezes assimilada a uma americanização forçada. Parte não negligenciável da história cultural do século XX  concerne às consequências e reações nascidas de uma estandardização norte-americana da cultura por uma propaganda deliberada assim como pela economia de mercado. Esta probemática é um dos fios condutores que conectam os artigos desta seção.

Trata-se de "imperialismo cultural" ou de "império informal"? Em 1941, Henry Luce, um grande empresário da imprensa norte-americana ordenava a seus compatriotas que se engajassem na Segunda Guerra Mundial para que os Estados Unidos assumissem um papel preponderante na cena internacional. Segundo ele, "o jazz americano, os filmes hollywoodianos, a gíria americana, as máquinas e os brevês americanos [eram], na realidade, as únicas coisas que todas as sociedades do mundo, de Zanzibar a Hamburgo [tinham] em comum"3. Ele descrevia assim um processo sem dúvida levado a cabo desde os anos 1910, o de um século americano, cuja ideia se impôs com força na cultura e na diplomacia americanas.

Na realidade, essas veleidades da americanização ganham contorno bem antes da Segunda Guerra Mundial e se concentram em primeiro lugar no "hemisfério" (isto é, o continente americano) para se opor às influências europeias, quer sejam "latinas" ou "ibéricas" (exaltadas na Exposição ibero-americana de Sevilha em 1929), ou mesmo às iniciativas da Alemanha, muito ativa nos anos 1930 nos países que acolheram grande número de alemães (Brasil, Argentina, Chile ou Colômbia). Estes discursos concorrentes sobre a raça, a nação e a identidade propõem configurações culturais e ideólogicas do espaço atlântico. O ibero-americanismo e o latino-americanismo são transoceânicos e linguísticos, expandem as margens do Atlântico até Paris e Madri. O panamericanismo de Washington é continental e visa transformar o Atlântico em fronteira cultural. Ao mesmo tempo, países como a Argentina, o Brasil e o Chile constroem sua própria diplomacia cultural, tentando tirar vantagem das diferentes iniciativas das quais são objeto de um lado e do outro do Atlântivo, para definir e projetar certa imagem de si próprios sobre a cena internacional. Potência emergente do continente americano, o México de José Vasconcelos, terra de uma raza cósmica et universal4, transforma a cultura em um instrumento diplomático desde os anos 1910.

A esse esquema se superpõe evidentemente, durante várias décadas, a estratégia cultural de uma União Soviética que compreende desde os anos 1920 o poder das mídias de massa. Todavia, o contexto da Guerra Fria cultural5 permite esboçar, em certas ocasiões, as condições de uma aproximação. Em 1958, o acordo Lacy-Zarubin, primeiro tratado assinado entre a URSS e os Estados Unidos durante o período, diz respeito precisamente às questões culturais e educativas num contexto de degelo das relações entre as duas potências. Um ano mais tarde, o novo regime cubano cria a Casa de las Américas (inaugurada, não sem humor, em um 4 de julho), destinada a reforçar os laços entre Havana e o restante da América Latina, mas também a difundir a literatura e as artes cubanas no resto do mundo. Sua ação contribui para atenuar o isolamento diplomático da ilha sob a pressão de Washington. Podemos ver nesta realização uma das primeiras iniciativas de diplomacia cultural Sul-Sul.

Na sequência das descolonizações africanas, o Festival Mundial das Artes Negras, organizado em Dakar, em 1966, o Festival panafricano de Argel, em 1969, e o World Black and African Festival of Arts and Culture (FESTAC) de Lagos, em 1977, acolhem importantes delegações africanas, mas também americanas e latino-americanas. Aquela enviada pelo Brasil a Dakar em 1966 marca o desejo do Ministério das Relações Exteriores brasileiro de transformar a África em um novo alvo de sua diplomacia cultural. Nas décadas compreendidas entre a Revolução Russa e o final do século XX, todos os grandes atores nacionais do espaço atlântico consagram parte de seus esforços à influência diplomática por intermédio da cultura.

Ao desmantelar sua principal agência de public diplomacy em 1999, os Estados Unidos parecem momentaneamente considerar que o fim da Guerra Fria tornava a propaganda inútil. No que diz respeito ao espaço atlântico, as indústrias da cultura tornaram-se sem dúvida os principais atores de influência. A "diplomacia" e a cultura dependem a partir de então de tratados comerciais e de questões sobre a regulação dos gigantes da Internet e da lógica da livre troca. Foi aliás com base no conceito de nation branding que vários países tentaram definir suas diplomacia e influência. Neste processo de mercantilização da cultura de massa, a "identidade" é um argumento de venda direcionado para as opiniões públicas concebidas como turistas em potencial.


  1. Jessica Gienow-Hecht, "What Are We Searching For? Culture, Diplomacy, Agents, and the State," in Searching For a Cultural Diplomacy, eds. Jessica Gienow-Hecht, Mark C. Donfried (New York, Oxford: Berghahn Books, 2013), 3.

  2. Richard T. Arndt, The First Resort of Kings: American Cultural Diplomacy in the Twentieth Century (Washington D.C.: Potomac Books, 2005), xviii.

  3. Henry Luce, "The American Century," Life, February 17, 1941, 61-65.

  4. José Vasconcelos, La Raza Cósmica. Misión de la raza iberoamericana. Notas de viajes a la América del Sur (Madrid: Agencia Mundial de Librería, 1925).

  5. Giles Scott-Smith and Hans Krabbendam (eds), The Cultural Cold War in Western Europe 1945--1960 (London: Frank Cass, 2003); Patrick Justus Iber, Neither Peace nor Freedom: The Cultural Cold War in Latin America (Cambridge: Harvard University Press, 2015).

Palavras-chave

americanização guerra fria cultural diplomacia francofonia soft power imperialismo cultural nacionalismo propaganda opinião pública

Bibliografia

Ver em Zotero
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